26.12.04

paraíso ao contrário


...e eu aqui quentinha a escrever sobre a paz no meu natal.
Faz medo pensar na força da Natureza e das nossas coisas viradas contra nós de repente. Estar algures espraiado a descansar da vida sem mais nada e ter tudo e o mar vir com uma força estranha e levar-nos com ele, ou roubar-nos dos braços quem gostamos. nós: imóveis, impavidos, incapazes, pequenos. (e há sempre um português em qualquer lado do mundo.)
Pensar que é realidade e que aconteceu. Que são mais de 11 mil, os que já morreram.
Pensar que tudo é demasiado efémero para as nossas certezas pequeninas pequeninas serem certezas certezas. Medo dos paraísos que a Natureza nos deu e que amamos virados com força contra nós. Esmagando-nos. Tirando-nos a vida aos bocadinhos. nós: imóveis, impavidos, incapazes, pequenos.
Até nos matarem.

mais um.

o meu avô dá-me abraços apertados. costumo ficar demorada dentro deles, como se pudesse ser para sempre se fechar os olhos, como se dentro deles encontrassemos os dois aquilo que procuramos.
Estava a escrever um post e antes de o pôr no ar, andei por aí a ler os vizinhos: nomeadamente as coisas boas da té. Encontrei tantas parecenças em algumas coisas que dicidi não por o meu no ar: seria repetir palavras da mesma familia, reescreve-las, com a falta que não queria de algumas partes. Modifiquei-o.

A té chamou avó leoa à avó dela.
E se me perguntassem como é que foi este Natal para mim, foi a falta da minha "avó leoa". Não foi mais um Natal, como queríamos, foi diferente. Mil vezes a falta da minha avó. O silêncio da falta. Este Natal foi feito de nós a tentarmos fazê-lo igual ao que já foi. Teve alguns sons de sempre, alguns cheiros de sempre, perdidos entre bocadinhos de nós. O bacalhau de sempre. Os doces que fizemos e comprámos com vontade que ficassem iguais aos da avó. A minha avó fazia-os como ninguém. Eu sei. nunca gostei muito do sabor dos doces de Natal, mas sei que os melhores eram os da avó. Lembro-me da avó fazer doces especiais para os netos que gostavam pouco dos doces do Natal. Lembrava-se sempre de todos e dos gostos esquesitos de todos, adaptava as tradições a serem novas só para nós. Neste Natal, os sons ainda foram quentes, como dantes: a lenha a queimar contra a chuva fria la de fora. a casa embalou-se com a Norah Jones: do principio ao fim. Quando fecho os olhos, consigo ver o som do Natal e o cheiro dos reflexos da lareira nas coisas.
É engraçado porque também fiquei sentada no sofá, a ver passar as vidas com pressa. Com o meu avô do lado esquerdo, a tentar fazer-me lolós e a rir-se. (na nossa famlila, temos quase todos e sempre esta coisa dos lólós e chatear imenso os outros até as piadas estarem gastas. Faz-me lembrar algumas das coisas dos gatos- fedorentos que nos encheram a tarde do Natal de risos. ) E eu a rir-me tanto por dentro por estar ali com ele inteira e sermos só os dois. Os dois e o mundo com pressa. O meu avô a falar-me da minha avó e eu a ficar calada e a querer chorar saudades. Eu a tentar dizer palavras e elas a não sairem, a parecerem ridiculas demais para sairem. Eu a ficar calada e o meu avô a chorar. Eu a fazer festinhas ao meu avô e as lagrimas a serem fortes. As lagrimas, fortes fortes. O nosso silêncio. Eu a dizer: avô, não vamos pensar na falta. Acabamos sempre a chorar e as palavras a não existirem. vamos desligar-nos ca de dentro e ver o mundo lá fora de nós, temos sempre razões para rir: alguém que torpeça, alguém que diz disparates, alguém a cantar desafinado, alguém com vontade de abrir presentes, alguém com pressa sem razão. o meu tio e as suas piadas, sempre. o meu irmão a dar presentes à minha mãe, que são para ele. os gatos fedorentos ou os programas de "humor" à portuguesa para os mais idosos.... alguém com vontade de rir na ternura, como nós.
Não vou falar muito da parte dos presentes, não interessa. mesmo que os meus pais tenham sido uns queridos e que eu fique sem palavras só de pensar no esforço que fazem para me dar aquilo que o meu curso infelizmente quase me obriga a precisar.
O importante neste Natal, mais um Natal, foi a parte de ficar, ficar, demorar com a familia. dar abraços e ficar, aproveitar tudo e todos e espremer bem as emoções. Rirmo-nos de nós e das nossas coisas tão nossas. Desligar o telemovel por dias. desligarmo-nos por dias que foram curtos em nós.

definição I

saudade:
lembrança triste e suave de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de as tornar a ver ou a possuir;
pesar pela ausência de alguém que nos é querido;
nostalgia.