14.12.04

Esquadros

Eu ando pelo mundo prestando atenção
Em cores que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo, cores
Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção no que meu irmão ouve
E como uma segunda pele, um calo, uma casca
Uma cápsula protetora
Eu quero chegar antes
Pra sinalizar o estar de cada coisa
Filtrar seus graus
Eu ando pelo mundo divertindo gente
Chorando ao telefone
E vendo doer a fome dos meninos que têm fome
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
(Quem é ela? Quem é ela?)
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle
Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm para quê?
As crianças correm para onde
Transito entre dois lados, de um lado
Eu gosto de opostos
Expondo meu modo, me mostro
Eu canto para quem?
Eu ando pelo mundo e meus amigos, cadê?
Minha alegria meu cansaço?
Meu amor, cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado


Adriana Calcanhotto

já passou.

Hoje, estive triste. Já passou. Quando estou triste lembro-me da minha mãe. sempre. das mãos da minha mãe na minha cabeça, desse movimento que sei de cor e me traz todas as certezas como se nada de mais certo existisse para além daquele gesto. desde sempre. um dia vou querer escrever aqui sobre essa coisa de ser filha. Hoje, quando vi a minha mãe, não precisei falar para que ela repetisse o gesto mais uma vez. em mim, num espaço curto que somos nós. não foram precisas palavras. nunca são. e no momento daquele gesto, nada mais fica. gostava de o ter para sempre.