há um barulho que as coisas fazem a observar-nos dentro do escuro do silêncio da noite. ela quebrou-o. ouvia repetidamente a música que mais gostava da ella fitzgerald, uma versão em dueto com louis armstrong de "dream a little dream of me"...
(não percebo nada de música, esta é das boas não é?)
Tem aquela parte que ela gosta e sabe que gosta, de a transportar. gosta de ser transportada assim, a meio da noite, enquanto rouba ao silêncio uns segundos de sonhos. foi levada para outra historia, outro tempo, outro lugar. viajavam por ela tons escuros e fumo. os mesmos que tocava com os dedos trémulos nas paredes da casa onde chegava. via encarnado. preto. castanho. castanhos. sentia o calor das vidas que a enchiam por dentro. entravam-lhe na pele os sons do calor das vidas que a enchiam por dentro. os sons que a dominavam, harmónicos. serenos. doces. boémios. os sons do passado que não viveu, que não ouviu. entregou-se. enquanto tocava nas paredes trémulas, sentia calor. desceu as escadas. a música. lá em baixo, um olhar. os sons. olhares. o calor na pele a queimar por dentro de vontade, fumo. cada passo produzia medo. sentou-se mulher. fumou. estava no som, na música, estava por dentro dos acordes que estavam por dentro das vozes, doces e doces, por dentro do lugar que ela criou, por dentro da música, dentro e dentro, fundo.
acordou de novo no silêncio cumplice da noite. trocou um ultimo olhar com as coisas do silêncio. dormiu.