no autocarro do costume
Habituei-me a ver-te todos os dias, no autocarro do costume. Entravas duas paragens depois de mim e avançavas em busca de um lugar disponível, indiferente a quem te olhasse, a quem te ignorasse; sentavas-te, olhavas pela janela: e desaparecias. Deixando-me livre para te observar, para te estudar, para te descobrir; e depois, mais tarde, naturalmente, para te imaginar, para te fantasiar, para te desejar. Até que um dia deixaste de vir. Agora, habituei-me a não te ver todos os dias, no autocarro do costume; mas continuo a imaginar-te, a fantasiar-te, a desejar-te. Na verdade, a tua ausência libertou-me: tornou-se mais fácil apropriar-me de ti agora que não passas de uma memória, de um pretexto. A tua ausência tornou-te mais real, mais autêntica. Percebes isto?
Paulo Kellerman
em minguante
2 comentários:
Apesar de não teres sido tu a escrever, percebo isso.
"Agora que não passas de uma memória(...)"
Apesar de não teres sido tu a escrever, parece teu.
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