18.3.05

clandestino


jardim botânico do Rio

(porque a adriana calcanhotto me faz lembrar este lugar, que quero conhecer um dia:)

CLANDESTINO

vou falar por enigmas.
apagar as pistas visíveis.
cair na clandestinidade.
descer de pára-quedas/camuflado/
numa clareira clandestina
da mata atlântica.

já não me habita mais nenhuma utopia.
animal em extinção,
quero praticar poesia
- a menos culpada de todas as ocupações.

já não me habita mais nenhuma utopia.
meu desejo pragmático-radical
é o estabelecimento de uma reserva de ecologia
- quem aqui diz estabelecimento diz escavação -
que arrancará a erva daninha do sentido ao pé-da-letra,
capinará o cansanção dos positivismos e literalismos,
inseminará e disseminará metáforas,
cuidará da polinização cruzada,
cultivará hibridismos bolados pela engenharia genética,
adubará e corrigirá a acidez do solo,
preparará a dosagem adequada de calcário,
utilizará o composto orgânico
excrementado
pelas minhocas fornicadoras cegas
e propagará plantas por alporgue
ou por enxertia.

já não me habita mais nenhuma utopia.

sem recorrer
ao carro alegórico:
olhar o que é,
como é, por natureza, indefinido.
quero porque quero o êxtase,
uma réplica reversora da república de Platão
agora expulsando para sempre a não-poesia
da metemorfose do mundo.

já não me habita mais nenhuma utopia.
bico do beija-flor suga glicose
no camarão
em flor.

(de um livro em preparação, sem nome fixo)


Waly Salomão
para Adriana Calcanhotto
em "Lábia", 1998

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