12.12.04

Um dia (...)

Um dia quando a ternura for a única regra da manhã

um dia, quando a ternura for a única regra da manhã,
acordarei entre os teus braços. a tua pele será talvez demasiado bela.
e a luz compreenderá a impossível compreensão do amor.
um dia, quando a chuva secar na memória, quando o inverno for
tão distante, quando o frio responder devagar com a voz arrastada
de um velho, estarei contigo e cantarão pássaros no parapeito da
nossa janela. sim, cantarão pássaros, haverá flores, mas nada disso
será culpa minha, porque eu acordarei nos teus braços e não direi
nem uma palavra, nem o príncipio de uma palavra, para não estragar
a perfeição da felicidade.


José Luís Peixoto, in "A Criança Em Ruínas"

3 comentários:

Joao disse...

"Olhar-te um pouco enquanto acaba a noite
enquanto ainda nenhum gesto te magoa
e o mundo for aquilo que sonhares
nesse lugar só teu
olhar-te um pouco como se fosse sempre
até ao fim do tempo, até amanhecer
e a luz deixar entrar o mundo inteiro
e o sonho se esconder"

- Mafalda Veiga, "Nalgum lugar perdido"

Para mim esta canção também sempre foi sobre uma manhã dessas. Sobre o momento incomparável quando acordas antes da outra pessoa e ficas a vê-la, em paz, com o sono a suavizar-lhe os contornos do rosto. É a manhã silenciosa que escorre na contemplação da pessoa amada, sob uma luz dourada e preguiçosa que a pinta com as cores mais perfeita. É a intimidade da presença dela, imaculada, do prazer de simplesmente estar ali, e de o resto do mundo não se fazer ouvir nem ter pressa. É sentir que se quer congelar aquele momento e visão porque, naquele momento, nada mais importa e somos felizes de uma forma completa como tão raramente se consegue. É mágico.

Anónimo disse...

Tenho cá vindo desde que descobri que tinhas um blog e só ainda não deixei nenhum comentário por falta de tempo... o estágio tem ocupado 150% do meu tempo e atenção! Mas tenho gostado do que leio, o que para mim não constitui qualquer espanto; acho que já te tinha dito uma vez que gostava da forma como escrever... não sei dizer porquê, sei que gosto. É uma escrita que se consegue sentir, é diferente... não sei. Sei que gosto. Muito.
Relativamente ao post de hoje, que me levou a escrever... achei engraçado a citação que aqui puseste, porque uma vez, numa das minhas deambulações pela escrita, escrevi algo de muito parecido. E nunca tinha lido esse excerto do José Luís Peixoto. Depois li o comentário do João e tive mesmo de escrever. Para mim a música da Mafalda, e o excerto desse texto, falam também dessas manhãs, perfeitas, em que não precisamos de mais nada a não ser de olhar para o lado e ver a outra pessoa, ainda a dormir. É uma sensação de felicidade tão plena que tememos que não se repita, que nos faz deixar cair uma lágrima solitária. É das coisas mais belas que existe, onde nos sentimos completos, cheios de tudo, felizes como nunca antes nos sentimos... e acho que já escrevi demais, para variar :) Um beijinho, Tess

Anónimo disse...

Cà está o texto que escrevi um dia, parecido com excerto:

Um dia, quando soltarmos as amarras e os medos, vamos estar, os dois, juntos.
Um dia, quando não houver defesas nem barreiras impostas por nós, quando deixarmos os nossos sentimentos falarem em vez de os calarmos, acordaremos nos braços um do outro, com o sol da manhã a entrar pela janela e a invadir o quarto, com os pássaros a cantar no parapeito da janela, fazendo-nos lembrar da perfeição da noite que vivemos.
A noite que adiámos anos e anos, a que mais queríamos, mas também a quem mais temíamos por não saber o que aconteceria depois.
Um dia, sim, um dia quando a ternura for a única regra que impusermos a nós próprios, quando nos inundar a alma e nos deixarmos levar... pelo amor.
E nesse dia, quando acordar e olhar para ti deitado ao meu lado, não irei dizer uma única palavra. Irei abraçar-te, olhar para ti e ficar assim, pois sei que irá bastar-me olhar para ti para saber que estamos e vamos ficar, juntos. Nesse momento e para sempre.
Porque é assim que faz sentido

Beijinhos, Tess